Próximo de completar um ano do acidente com o carro da Paraíso do Tuiuti, o blog conversou com a esteticista Raphaella Anastácia (31), filha da radilista Liza Carioca.
Liza foi a única vítima fatal da trágica noite que abriu os desfiles na Sapucaí em 2017. No bate-papo, Raphaella contou sobre os momentos difíceis que ela e sua família vêm enfrentando.
O blog procurou a Prefeitura do Rio, a LIESA e a Paraíso do Tuiuti para que comentassem o caso, porém até o final da edição não obtivemos retorno. O espaço continua aberto para que todos os citados possam se manifestar.
Liza ficou 2 meses internada após acidente na Sapucaí em 2017 (Arquivo Pessoal)
#Audiência: O que aconteceu com a sua mãe, a radialista Liza Carioca, naquele primeiro dia de desfiles das escolas de samba em 2017, exatamente 26 de fevereiro daquele ano?
Raphaella: A minha mãe foi esmagada pelo carro da Paraíso do Tuiuti, ficou presa nas grades, sendo a última vítima a ser retirada. Os bombeiros tiveram dificuldades, porque a perna dela ficou para dentro da grade [arquibancada que divide o setor 1]. Ela teve uma das piores fraturas que um ser humano consegue suportar. Ela teve abertura total de bacia, várias fraturas no fêmur e passou por muitas cirurgias.
#Audiência: Você e sua família receberam apoio dos envolvidos no acidente? Como foi esse apoio?
Raphaella: Assim que aconteceu o acidente ela foi encaminhada para o Hospital Municipal Souza Aguiar, onde passou por seis cirurgias. Ficou durante um mês no CTI e mais um mês na enfermaria. O quadro dela era bastante grave. Ela já chegou no hospital com uma hemorragia interna muito grande, que foi contida e foi colocada nela uma fixação externa para segurar a bacia. Eles [os médicos] estavam sempre muito preocupados pela idade dela, 56 anos, se iria suportar tamanho trauma. O problema foi todo ortopédico e a deixou por muito tempo no CTI. Ela só foi para enfermaria após as seis cirurgias, e neste local passou por coisas complicadas. Não havia recurso do hospital para tratar a gravidade da minha mãe.
#Audiência: Vocês tiveram que arcar com alguma despesa enquanto a Liza estava no hospital público?
Raphaella: Nós compramos gaze, fralda… O hospital não tinha recursos. Apesar de ter deixado a minha no Hospital Souza Aguiar, a Tuiuti arcou com tudo o que gastamos referente à hospital e com as contas pessoais da minha mãe. Após sua morte, nada mais foi arcado.
#Audiência: Durante o tempo da internação da Liza, como foi a relação de vocês com os envolvidos no acidente?
Raphaella: A gente manteve o contato diretamente com o presidente da LIESA [Jorge Castanheira] que pediu para que nós o deixássemos informado de tudo, que ele iria ficar responsável pela parte do tratamento. Nós pedimos a ele, que após as cirurgias, não fosse deixado minha mãe ir para a enfermaria. Nós já tínhamos visto a enfermaria do Souza Aguiar [hospital] e faltavam coisas básicas… Pedimos que a minha mãe fosse removida para um hospital mais adequado para tratar das lesões. Com a fixação externa, ficavam buracos por onde saíam os ferros e aquilo funcionava como uma porta aberta para bactérias. Ele [Jorge Castanheira, presidente da LIESA] chegou a fazer uma visita a ela. Eu fiz questão de levá-lo até a enfermaria para que ele pudesse ver a realidade do local e entender porque nós não queríamos mantê-la ali. Ele se comprometeu a todo momento a transferi-la para o INTO [Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, hospital da rede federal], referência na área ortopédica. Sempre estávamos diretamente nos falando, íamos até seu escritório para cobrar a transferência. Ela [Lisa] já estava na enfermaria há duas semanas. A permanência ali não seria boa para ela. Ele [Jorge Castanheira, presidente da LIESA] dizia que sempre estava fazendo contato para conseguir a transferência. No final, não conseguiu. Quando ela já estava com seu estado bem agravado, a gente percebeu que não mais reconhecia mais os filhos, nós voltamos ao escritório dele [Jorge Castanheira, presidente da LIESA] por uma última vez tentar a transferência. Ele falava sempre da dificuldade, mas também não mencionou a possibilidade de transferir para um hospital particular. Nós voltamos ao hospital sem esperança de conseguir a transferência. Na sequência, houve uma piora muito grande, onde minha mãe teria que voltar para o CTI e ser entubada. Nós voltamos a ligar para ele e falamos que se não a removesse hoje do Souza Aguiar, ela iria morrer. Falamos que não havia mais suporte e que ela precisava ser transferida para um hospital particular, já que estava fraca e com quadro de anemia. Meu irmão fez os contatos com o hospital Quinta D’or para fazer a transferência e assim foi feito. Minha mãe ficou apenas três dias no Quinta D’or, eles [a LIESA] custearam esses dias e o funeral. A partir disso nunca mais houve uma procura. A gente aguarda até hoje uma posição da Riotur, responsável pelo carnaval.
#Audiência: Vocês têm contato com as outras vítimas deste acidente?
Raphaella: Depois da minha mãe, a mais grave das vítimas foi a Lúcia Melo, que já fez quinze cirurgias. Ela não está tendo suporte para os tratamentos. Não consegue mais trabalhar como fotógrafa. Estamos tentando cobrar nossos direitos na justiça e através do nosso clamor pelas redes sociais e indo para a mídia.
#Audiência: Como está a sua vida e a da sua família hoje? O que mudou depois deste episódio?
Raphaella: Eu tive que modificar a minha vida indo morar com meu pai [Paulinho Carioca, jornalista]. A gente quer que as responsabilidades sejam assumidas. Que eles cumpram com o dever deles que é nos indenizar e ajudando as vítimas que ficaram e estão lutando por tratamento.
#Audiência: Como está a situação na justiça?
Raphaella: Hoje nós temos três processos. Um contra a LIESA e Tuiuti juntas, outro contra a Riotur e outro contra o Hospital Souza Aguiar. Nós processamos o hospital, porque entendemos que eles não passaram a real situação da minha mãe. Sempre diziam que ela estava bem e reagindo, no entanto não foi nada disso. No hospital particular vimos a realidade do que minha mãe estava passando: trombose nas duas pernas, anemia e falência dos órgãos. E por fim, contra a Riotur, já que ela é a responsável pelo Carnaval e não fez nenhum contato conosco. Como se não tivesse nada a ver com isso. Estamos nessa luta e vamos continuar até o final.
#Audiência: O que vocês acham que podia ter sido feito diferente naquele 26 de fevereiro?
Raphaella: Em uma das vezes que fomos conversar com o presidente [Jorge Castanheira, da LIESA] descobrimos que havia um seguro que cobria acidentes que ocorressem no Carnaval. Mas não sabíamos o que seria coberto no tratamento. No fim, descobrimos que a cobertura do seguro ocorreria se a minha mãe tivesse ido para um hospital particular desde o início. Tanto que os dias que ela ficou internada no Quinta D’or teve cobertura do seguro. Se tivessem feito dessa forma, ela poderia estar aqui hoje explicando tudo isso para vocês. Isso deixou a gente muito chateado. Quando nós da família decidimos removê-la para o Quinta D’or, devido à gravidade, já não se tinha muito a fazer. Eles demoraram muito para decidir remover, pareciam que não queriam em momento nenhum. Isso machuca demais a nossa família, eles tinham recurso para colocar no hospital particular logo e demoraram a fazer.
#Audiência: Próximo de completar um ano do acidente, como vocês acompanharam o Carnaval 2018?
Raphaella: A escola [Paraíso do Tuiuti] ficou em segundo lugar, recebeu um bom prêmio. A gente sabe disso, já que meus pais são da área. E mesmo depois disso a escola não nos procurou para poder arcar com a sua responsabilidade. Nós queremos que eles [Tuiuti] arquem com a indenização. Eles sabem que têm que pagar. Houve uma morte no maior espetáculo da terra. Com relação à Tuiuti, a única coisa que nos ajudaram foi pagando as contas de casa da minha mãe, além do material que não tinha no Hospital Souza Aguiar. Depois disso nunca mais nos procuraram. A Liga ficou responsável pelo tratamento e a escola pelas contas pessoais durante os dois meses da internação.
#Audiência: Pelas redes sociais sua família clama por justiça. O que falta para que esse sentimento possa confortá-los?
Raphaella: Estamos cobrando justiça e nós não vamos parar até que eles arquem com que é de nosso direito. O mal que eles fizeram para a minha família foi grande. Minha mãe não tinha só aquele emprego de jornalista. Ela era acompanhante de uma senhora com necessidades especiais, fazia comida para fora, passava roupa para fora, muito ativa. Era uma vida humilde, mas ela era feliz daquele jeito. O baque financeiro foi muito grande. Sempre pagamos aluguel e agora estamos nos virando sem ela, já que ela arcava com pelo menos metade da renda familiar. Eu peço que eles nos procurem e arquem com que é justo. Que a justiça seja feita.